segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O odor da revista Veja no debate sobre as humanidades no Ensino Médio

Fonte: www.cartapotiguar.com.br
Por Paulo Ghiraldelli Jr

(Filósofo, escritor e professor da UFRRJ)

A equipe de educação do governador Alckmin fez reacender o debate, que parecia já encerrado, sobre a importância da filosofia no ensino médio. Isso ocorreu porque tal equipe resolveu anunciar que iria diminuir as aulas de português e matemática nos últimos anos da escola, aumentando as de humanidades e de ciências físicas e naturais. Rapidamente o senso comum conservador reclamou. E como no tempo anterior ao da aprovação da obrigatoriedade da filosofia e sociologia no ensino médio, os mesmos meios de comunicação que acreditam que o ensino deve ficar como está acionaram seus jornalistas para que estes agissem como cães de guarda do status quopedagógico. E eles de fato vociferaram e rosnaram.

A idéia básica dos setores conservadores é típica do século XIX. E em um aparente paradoxo ela espelha, em parte, um desejo expresso de Marx, defendido nos reuniões da I Internacional: que a escola pública não tenha matérias sujeitas a “controvérsias”, como Filosofia, Sociologia e coisas do tipo. Seguindo o clima de seu tempo, o de vitória do positivismo, Marx entendia que a escola pública deveria limitar-se ao ensino das ciências “não controversas”, aliando tal coisa ao que chamou de “ensino politécnico”. No Brasil de hoje, quem defende uma proposta parecida, seguindo esses dois itens, são justamente os setores que mais demonstram ódio a Marx. Aliás, são setores que acham que a escola pode escapar de ideologias e, ao mesmo tempo, são os que mais ideologizam um debate político que caberia bem menos bravatas. A revista Veja reúne esses setores que, nas últimas eleições, dirigiu a plataforma de política educacional de José Serra (em Filosofia e história da educação brasileira (Manole, 2008) escrevi que esse pessoal, capitaneado pelo falecido Paulo Renato, formava um Partido da Tecnocracia Educacional).

O erro do senso comum conservador não é somente o de seguir Marx e o século XIX. Eles, os conservadores, estão equivocados porque não percebem o que é e o que não é útil para o país em termos de ensino médio para o Brasil atual. E isso em detrimento dos próprios interesses que eles imaginam defender, que é o do empresariado brasileiro (que, aliás, prefere Lula e Dilma, não a direita política!).

Eis os dois pontos no qual o senso comum conservador escorrega.

Primeiro. Fala-se muito no Brasil em ensino profissionalizante. Mas teima-se em acreditar que tal ensino se resume às disciplinas Matemática e Português, ou mesmo Química ou Física. Não se percebe que em um país em que o setor de serviços cresce a passos largos, como o que ocorre no Brasil, um curso profissionalizante é aquele que tiver a grade curricular a mais harmônica possível. Podemos saber matemática, mas é bom que saibamos interpretar bem um filme e que possamos ter gosto em acompanhar as resenhas de livros nos jornais. Não é o professor de Português que faz isso. Não é o de Matemática. Quem faz isso são os professores de humanidades.

Segundo. Fala-se em melhoria da compreensão de questões e problemas por parte da juventude brasileira, cuja falha em leitura é visível nos exames internacionais (por exemplo, os do PISA). Não se percebe, no entanto, que são disciplinas como Filosofia, Sociologia, Geografia e História que permitem ao aluno resolver melhor os problemas das matemáticas e ciências, uma vez que as disciplinas humanísticas melhoram o estudante no quesito leitura. Aliás, ajudam em muito, também, a capacidade de compreensão de conceitos por parte do alunado – o que é fundamental para a resolução de problemas de forma não mecânica.

Por esses dois parágrafos acima, o que se pode concluir é que qualquer reforma que venha a tratar o ensino médio público e particular como o local não de especializações precoces, mas como a casa de ampliação da cultura geral pré-universitária, está basicamente correta. Os conservadores não conseguem entender isso. Eles, como Marx, ficaram no século XIX. Confundem a ampliação cultural do jovem com o seu engajamento ideológico. Nisso, imitam uma mentalidade que não é liberal-conservadora, mas própria, sim, de ditadores. Os liberais autênticos nunca tiveram medo da esquerda. Quem ataca a esquerda com esse tipo de medo sem fundamento são os fascistas. Pois só o fascismo alimenta o comunismo, em geral imaginariamente. Sempre foi assim, não só no Brasil. Aliás, no Brasil vivemos isso hoje, de uma forma mais caricaturesca que no passado. O Muro de Berlim caiu e a URSS não existe mais faz tempo, mas a revista Veja tenta não lidar com isso realisticamente. Essa revista, como os generais da Ditadura Militar, vê comunismo em todo canto. Só que agora não há comunismo em canto nenhum do mundo!

Como a revista Veja e seus cúmplices podem ver comunismo no Brasil? O PC do B cogita lançar Netinho candidato à prefeitura de São Paulo. Netinho bate em mulher e dança umas coisas esquisitas, duvido que esteja pensando na “socialização dos meios de produção”. A revista Veja vê marxismo na universidade pública. Onde? Um dos únicos marxistas da universidade é Sader que, como se sabe, disse em um Fórum Social Mundial que é na Bolívia que está a utopia dos trabalhadores. Qual jovem trabalhador no Brasil gostaria de pensar numa utopia que fosse a Bolívia? Ora bolas! Não contente, a Revista Veja diz também que há seguidores de Paulo Freire no Brasil que querem fazer de crianças do MST perigosos comunistinhas. Ora, os acampamentos do MST possuem antes famintos que comunistas. Aliás, estranho movimento este que, para ser comunista, quer que todos tenham propriedade privada!

Os brasileiros jovens adoram a liberdade. Nosso povo sempre gostou da liberdade. Para alguns universitários, Cuba parece ainda ser algo encantado não por qualquer coisa que tenha a ver com o socialismo, mas única e exclusivamente porque todo jovem procura algo diferente. Mas o número de jovens que idolatra Cuba, hoje, em cada universidade pública, cabe num Novo Fiat UNO.

Os jovens brasileiros de hoje, mesmo os que ainda professam um discurso anti-americanista, reclamam do liberalismo porque o tomam como sendo antes o de Reagan e Thatcher, que cerrou fileiras em torno de um individualismo mesquinho, que propriamente o libertarismo de Robert Nozick, que terminou (injustamente) como responsável filosófico por esses governos de direita. Os jovens de hoje, no Brasil, estão bem dispostos a seguir uma doutrina que promova certa igualdade social e ao mesmo tempo respeite as diferenças individuais e a liberdade, como é o caso do liberalismo de John Rawls. É claro que esses jovens ainda não conhecem bem Rawls. Mas, conhecendo-o, irão simplesmente esquecer o velho liberalismo social europeu ou mesmo a social democracia européia, que a geração que foi jovem nos anos 80 idolatrou estudando os debates entre Norberto Bobbio e o eurocomunismo. As enquetes mostram isso. O jovem brasileiro, cada vez mais, tem afinado suas aspirações políticas na direção dos que defendem a compatibilidade entre igualdade social e respeito às liberdades individuais. Não à toa muitos candidatos têm dito que são partidários de um tipo de “liberalismo social” ou de “socialismo liberal” ou, enfim, de algum tipo de “democracia participativa liberal”.

Claro, claro, talvez o grupinho da Revista Veja e os que circulam em torno dela tenham ódio de qualquer tipo de liberalismo que tente harmonizar liberdade e igualdade. Talvez eles falem em defesa irrestrita da liberdade, citando Locke, embora, na parede de seus escritórios, mantenham fotos de Pichochet, Médici, Videla, Franco, Salazar e … cuidado, podemos até achar algumas coisas piores em tais paredes! Locke? Nunca! Falam “Locke” da boca para fora.

Assim, esse tipo de gente que, no frigir dos ovos alimenta a imobilidade de nosso sistema educacional, tinha mesmo de chiar contra a reforma que, paradoxalmente, veio do interior do governo Alckmin. Fez isso. Tentou e tenta intimidar o governador. E com isso jogou contra o governador paulista naquilo que ele poderia se apresentar menos à direita, para disputas de pleitos futuros. A revista Veja prefere ter um candidato à direita que ver um candidato seu ganhar a eleição. Fez isso com Serra, fez agora com Alckmin. Um governador que tem como aliado a Veja não precisa de inimigos.

PS: No momento em que escrevo, não há decisão sobre as reformas. A revista Veja quer punir o secretário de Educação de Alckmin, jogando fala do governador, que apenas pondera, contra ele.  Veja aqui o Estadão falando do assunto.

Publicado originalmente em Paulo Ghiraldelli Jr. Blog do Filósofo

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